Na reta final das negociações para a reforma tributária, prefeitos das maiores cidades do País, como São Paulo e Rio de Janeiro, se posicionaram contra a extinção do Imposto sobre Serviços (ISS), de atribuição dos municípios, e querem que o governo federal unifique antes os tributos de responsabilidade da União e dos Estados.
O clima entre prefeitos já era adverso e está mais azedo desde a aprovação do piso da enfermagem: as prefeituras falam em perdas de até R$ 22 bilhões por ano com a legislação federal. Os prefeitos alegam que não receberam repasses suficientes da União e temem os efeitos nos regimes de aposentadoria locais.
Para evitar que as insatisfações paralisem a reforma, a Secretaria de Relações Institucionais do Palácio do Planalto entrou em campo prometendo mediação no tema da enfermagem, enquanto a Câmara conduz, com o Ministério da Fazenda, o debate federativo sobre a tributação de bens e serviços.
“O ambiente está favorável para uma reforma tributária, mas precisamos sentar e conversar, porque a implementação dela virá por meio de legislação complementar a ser aprovada nas Assembleias e Câmaras locais”, disse André Ceciliano, secretário especial de Assuntos Federativos da Presidência da República. “Vamos ver se, conversando, amenizamos as críticas em relação ao piso. Se não tivermos atenção, isso pode contaminar a discussão da reforma tributária.”
As prefeituras das capitais afirmam que terão perdas com a extinção do ISS. A cidade de São Paulo, administrada por Ricardo Nunes (MDB), calculou que pode perder R$ 15 bilhões por ano – a cidade responde por um quarto da arrecadação total do imposto. Os dados são questionados pelo grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara, que admite perdas em grandes cidades, mas em proporção inferior à projetada pelos prefeitos.
Gestão compartilhada
A queixa principal, no entanto, recai sobre a administração compartilhada da arrecadação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) cuja criação está prevista no projeto da reforma tributária. Pela proposta, um conselho construído de forma paritária por membros de Estados e de municípios fará a gestão dos recursos recolhidos de ICMS e ISS. A União ficaria fora desse comitê.
Nunes é contra a medida, pois diz acreditar que isso criará uma dependência dos municípios em relação às decisões estaduais e federal. “Os municípios estão trabalhando para ter a sua arrecadação e poder fazer frente às suas necessidades. Quando você tira isso, é muito ruim”, afirmou ele ao Estadão. “A partir do momento que você vai ter uma arrecadação totalmente centralizada, você desestrutura isso.”
Um encontro do deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), relator do projeto, com representantes das capitais, na última sexta-feira, não funcionou para dirimir as diferenças.
Para o relator e para a equipe econômica, porém, a entrada do ISS na reforma garantirá que bens e serviços sejam tributados de maneira semelhante, em linha com a forma como se recolhem impostos em outros países. Eles reforçam que não há possibilidade técnica de implementar o IVA sem unificar o ISS com o imposto estadual.
Estados
No front dos Estados, já não há também a convergência que havia na legislatura passada, quando a reforma tributária emperrou por falta de apoio do governo Bolsonaro e articulação dos setores contrários às mudanças.
Entre os obstáculos, está o tamanho do aporte do governo federal para o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) para compensar os Estados pelo fim dos benefícios fiscais concedidos por meio do ICMS para atrair empresas.
Na próxima semana, governadores do Centro-Oeste e do Norte vão se reunir em Brasília – entre eles, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que tem se posicionado publicamente contra a proposta.
Os governadores só aceitam retirar o incentivo fiscal se ficar claro o montante dos recursos e a sua distribuição entre os Estados. Outros dois pontos ainda estão em aberto: a convalidação (manutenção) dos benefícios fiscais até 2032 e o modelo de cobrança centralizada do IVA dos Estados e municípios. Alguns Estados temem perder autonomia com essa centralização.
O deputado Mauro Benevides (PDT-CE) disse que haverá uma cláusula no texto da reforma garantindo a manutenção dos benefícios já concedidos. Ele ressaltou que o IVA dual será feito justamente para afastar as resistências com o temor de perda de autonomia sobre as receitas.