Em mais uma lance da disputa velada entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o Senado deve engavetar o projeto que torna crime a discriminação de políticos e fragiliza controles das instituições financeiras, aprovado a jato pela Câmara dos Deputados. O roteiro é semelhante ao praticado pelos senadores em outros assuntos levados adiante por Lira e aliados, como o marco temporal das terras indígenas, a legalização dos jogos, a reforma do Imposto de Renda e a proposta que inocenta réus em caso de empate no julgamento de processos criminais.
O texto avançou na Câmara por 252 votos a 163, turbinado pela grande adesão do PT e de siglas do Centrão — na ponta oposta, PSOL, PCdoB e deputados alinhados ao bolsonarismo tentaram barrar a iniciativa. Na quinta-feira (15), Pacheco deu o tom da resistência e indicou que o texto terá uma tramitação mais lenta na comparação com a Casa vizinha, passando por comissões. Nos bastidores, a declaração foi entendida como um sinal de que a proposta nem chegará a andar.
“Não sabia sequer da existência desse projeto, mas, obviamente, aprovado na Câmara e chegando ao Senado, nós vamos conhecer o texto e identificar por quais comissões ele deve passar”, disse Pacheco, após reunião com líderes partidários.
No caso do marco temporal, aprovado na Câmara em regime de urgência, com amplo apoio dos deputados, Pacheco também indicou uma longa caminhada — voltou ao tema e disse que não haverá “açodamento”.
O ritmo com o qual o Senado encara pautas vistas como prioritárias pela Câmara gera irritação entre aliados de Lira, e o próprio presidente da Câmara já manifestou incômodo. No episódio das mudanças no Imposto de Renda, aprovadas em setembro de 2011, o deputado do PP reclamou que houve “quebra de acordo” na trava imposta por Pacheco, que retrucou e afirmou que o compromisso firmado era com a “sociedade”.
Com a nova iniciativa endossada pelos deputados, aliados do presidente do Senado subiram a gradação das críticas. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), vice-presidente da Casa, disse que o texto é “péssimo e não vai para a frente”:
“Não tem sentido discutir uma matéria tão controversa da maneira que a Câmara se dispôs a fazê-lo. O comportamento do Senado é outro, muito mais comedido. Um tema dessa natureza pode até ser debatido, mas não ganhará da gente esse açodamento.”
Segundo aliados de Pacheco, o projeto não é pertinente e o assunto deveria ser tratado de outra forma. Ele demonstrou estar mais aberto a discutir uma proposta sobre assédio ideológico, que não é focada em políticos com mandatos e cargos, e puniria quem praticasse constrangimentos públicos. Uma iniciativa do tipo chegou a ser apresentada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no ano passado, mas foi retirada por ele. A ideia, no entanto, pode ser reapresentada para discutir o tema, em vez do texto aprovado pela Câmara.
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), também seguiu a tônica e afirmou que o texto está “fora do radar”. O líder do PL, Carlos Portinho, afirmou que não é o momento de analisar o texto, enquanto o senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC) defendeu a rejeição da proposta.
O projeto estabelece como crime “negar a celebração ou a manutenção de contrato de abertura de conta corrente, concessão de crédito ou de outro serviço, a qualquer pessoa física ou jurídica, regularmente inscrita na Receita Federal do Brasil”, em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou de pessoa que esteja respondendo a investigação ou processo sem trânsito em julgado. A pena prevista é de dois a quatro anos de prisão, e multa. Pessoas politicamente expostas são políticos, juízes e outros detentores de altos cargos nos três Poderes.
O texto, de autoria da deputada Dani Cunha (Uniã-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, abre brechas para a proteção até mesmo de potenciais “laranjas” de autoridades envolvidas em esquemas de lavagem de dinheiro.
O artigo 2º afirma que são alcançados, além de parentes até segundo grau, cônjuges e enteados, também os “estreitos colaboradores” das pessoas politicamente expostas.
O gerente de pesquisa da Transparência Internacional, Guilherme France, ressaltou que a votação do projeto ocorre na esteira de retrocessos no combate à corrupção. Segundo ele, a proposta pode retirar a autonomia para que instituições avaliem operações financeiras de nomes ligados a pessoas politicamente expostas, como familiares e sócios, além de limitar controles de risco contra fraudes.
“Mesmo que uma pessoa esteja respondendo como réu em processo de lavagem de dinheiro, o banco não vai poder negar acesso ao serviço financeiro. Isso diminui a capacidade das instituições financeiras em reduzir riscos de operações.”