Desde o anúncio das novas regras fiscais, o câmbio mostrou um movimento consistente de apreciação, com o dólar chegando a furar a barreira de R$ 4,80 ao longo da última sessão, com retração de 9% no acumulado do ano. Os fundamentos e o cenário indicam que pode haver espaço para uma valorização adicional do real e que a moeda brasileira poderia se aproximar de R$ 4,50 por dólar.
Esse patamar teórico é o que, no mercado, costuma se chamar de nível “justo” do câmbio. Apesar disso, a desconfiança em relação à saúde das contas públicas continua a exigir um prêmio de risco elevado, o que tem impedido, ao menos neste momento, que o dólar se aproxime desse patamar, enquanto alguma cautela com os juros nos Estados Unidos também segue no radar.
O Brasil foi mais penalizado que a maioria dos mercados emergentes desde a pandemia, observa o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), Robin Brooks. “Acreditamos que os mercados, às vezes, precificam prêmios de risco excessivos para determinados mercados emergentes. O Brasil não é o único, mas se destaca, talvez, como o erro de preço mais flagrante”, enfatiza.
“Por isso batemos na tecla da valorização do real. Obviamente, quanto mais previsível e estável a formulação de políticas domésticas, melhor para os mercados reduzirem esse prêmio de risco”, diz Brooks. Com base nos fundamentos externos do país, o nível justo da taxa de câmbio estimado pelo economista é de R$ 4,50 por dólar.
E, mesmo que haja uma redução dos juros no Brasil, o real pode continuar a ser uma moeda atrativa. “A desinflação deve ser boa para o real, principalmente se a inflação também cair nos EUA”, defende Brooks, ao apontar, ainda, que os mercados podem ver o início de um ciclo de redução de juros com potencial para atrair fluxos de capital externo.
Incerteza
Jankiel Santos, economista sênior do Santander, também nota que o mercado tem exigido um prêmio de risco associado às questões fiscais, o que tem impedido uma apreciação ainda mais expressiva da taxa de câmbio.
“Na busca pela definição do nível em que o câmbio brasileiro deveria estar, eu olho apenas para questões internacionais. Considero o nível dos juros em outros países; os preços das commodities; a disposição dos investidores em buscar ativos de risco; o comportamento de outras moedas frente ao dólar. Por meio dessas informações, tenho a leitura de que o câmbio deveria estar em torno de R$ 4,50, mas não está por conta do prêmio de risco que há devido às dúvidas do lado fiscal”, afirma Santos.
Uma dessas dúvidas passa pela incerteza sobre o crescimento da economia nos próximos anos para que se tenha uma geração de receita no Brasil que contenha a evolução desenfreada do endividamento, aponta o economista. “Esses riscos no lado da implementação do novo arcabouço fiscal mais as intempéries do lado internacional apontam um quadro limitado para a valorização do real”, afirma o economista.
Ao comparar o desempenho do real em relação a moedas pares, como os pesos chileno, mexicano e colombiano, além do rand sul-africano, o economista-chefe da Oriz Partners, Marcos Bredda De Marchi, nota que, desde o início da pandemia, houve uma quebra da correlação que existia anteriormente. “Olhando o nosso câmbio hoje e o desses países, teríamos uma diferença que, se ajustada, levaria o dólar para algo em torno de R$ 4,50 hoje”, enfatiza. “É um exercício contrafactual, de onde estaríamos com nosso câmbio se não tivéssemos alguns eventos políticos nesse período.”
O real perdeu cerca de 20% ante o dólar nos primeiros meses da pandemia, enquanto a cesta de moedas pares anotou uma depreciação de cerca de 10% – mas passou a se recuperar no início de 2021, o que não aconteceu no mercado de câmbio doméstico, onde a desalavancagem da Petrobras e o “overhedge” dos bancos pesaram no comportamento do real.
“No fim de 2021 e na primeira metade de 2022, vimos uma retomada da moeda brasileira, mas que não durou. O que fez com que o real voltasse a ser penalizado foi o início da corrida eleitoral, com uma série de medidas para aumentar a chance do então presidente Jair Bolsonaro de se reeleger”, afirma.
De Marchi ainda lembra que, no fim do ano passado, após as eleições e com as incertezas da composição e do direcionamento do novo governo, o real foi ainda mais penalizado, enquanto as moedas pares passaram a se fortalecer frente ao dólar, à medida que os investidores começaram a ver uma pausa no ciclo de alta de juros pelo Federal Reserve (Fed) mais próxima.