Iniciativa do presidente francês Emmanuel Macron para redesenhar um sistema de financiamento que permita aos países em desenvolvimento a luta contra pobreza e mudanças climáticas, a “Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global” foi encerrada na sexta-feira (23) em Paris sem atender aos interesses dos emergentes. Mas serviu como preparação para a próxima reunião do G20, que o Brasil presidirá a partir de dezembro durante um ano.
A avaliação é de uma fonte da diplomacia brasileira ouvida pela rede britânica BBC. O encontro, que contou com a presença de dezenas de chefes de Estado, vários deles de países africanos, teve como um dos temas centrais a necessidade de reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, reivindicação de longa data do Brasil. “Mas a visão em relação à reforma não é a mesma entre países ricos e emergentes”, ressalta o diplomata brasileiro.
Brasil e outros emergentes pleiteam uma reforma da governança dessas instituições financeiras, criadas há quase 80 anos nos acordos de Bretton Woods, e também da ONU que permitiram a esses países um papel decisório mais significativo nessas organizações.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reiterou isso em um discurso bem aplaudido na manhã desta sexta-feira na cúpula, em uma mesa-redonda com chefes de Estado e de governo e autoridades como a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva.
“Nós aqui precisamos ter claro o seguinte: aquilo que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, as instituições de Bretton Woods não funcionam mais e não atendem mais às aspirações e nem aos interesses da sociedade”, declarou Lula no encerramento da cúpula em uma mesa-redonda coordenada pela presidente Macron.
Para Lula, o Banco Mundial e o FMI deixam “muito a desejar naquilo que o mundo aspira” dessas instituições financeiras. “Se não mudarmos as instituições, o mundo vai continuar o mesmo. Quem é rico vai continuar rico e quem é pobre vai continuar pobre”, afirmou o presidente.
Conforme o diplomata brasileiro, mesmo sem avanços significativos na cúpula na visão do Brasil, também não ocorreram prejuízos e a presença de países como Brasil, China e economias de menor porte “acabou empurrando o sarrafo para o meio”, colocando em evidência não apenas as mudanças climáticas, mas também o desenvolvimento e o combate à pobreza.
“O diálogo foi positivo e permitiu saber como estão os debates e como os grupos e coalizões estão se posicionando”, diz o diplomata, em referência ao fato de o Brasil assumir a presidência do G20 em 1º de dezembro.
Antigas promessas
O governo brasileiro também espera que promessas antigas dos países ricos sejam cumpridas, o que ocorreu apenas em parte nesta cúpula. “Não podemos nos esquecer dos compromissos não realizados”, disse à BBC News Brasil outra fonte da diplomacia brasileira.
É o caso do objetivo de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para que os países em desenvolvimento possam enfrentar os efeitos do aquecimento global a partir de 2020, uma promessa dos países ricos realizada na conferência climática da ONU de 2009 e reforçada no Acordo de Paris, em 2015, mas ainda não alcançada. Segundo Macron, “há grandes chances de que esse objetivo seja atingido neste ano”.
O prazo inicial para atingir a meta acabou sendo adiado para 2025. “Nós acompanhamos de perto a realização desse objetivo e vamos monitorar para que os países mais vulneráveis recebam uma parte justa desses recursos”, declarou o presidente francês. “Nós fomos muito lentos, não é satisfatório.”
“Precisamos de um acompanhamento mais de perto e operacional”, admitiu o chefe de Estado francês. A soma ainda nem foi atingida e países em desenvolvimento e ONGs estimam que ela não seria suficiente das necessidades reais dessas economias, sobretudo no atual cenário econômico global.
Nos cálculos mais recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, de maio, a soma já teria sido quase atingida, contando-se transferências do setor público e privado, mas nesse caso, realizadas com taxas altas de mercado.
Já outra promessa dos países ricos, uma iniciativa lançada em 2021, foi finalmente atingida durante o encontro, anunciou o presidente francês: objetivo de encaminhar aos países mais vulneráveis, sobretudo na África, US$ 100 bilhões em direitos especiais de saque do FMI, uma reserva que pode servir para o desenvolvimento e a transição climática.
A utilização do termo “países mais vulneráveis” também é criticada pelo governo brasileiro. “É uma maneira de separar os países mais pobres de outras economias em desenvolvimento e emergentes” diz um diplomata brasileiro.
(Marcello Campos)