O diário improvisado do ex-deputado federal Deltan Dallagnol no aplicativo Telegram foi objeto de uma reportagem no The Intercept Brasil que tratava dos sonhos políticos do procurador, mas alguns trechos do diálogo ficaram de fora. A revista eletrônica Consultor Jurídico teve acesso à íntegra do diálogo que foi apreendido na operação “spoofing”. Nele, é possível constatar o quanto a carreira política ocupava os pensamentos do membro do MPF.
“Tenho apenas 37 anos. A terceira tentação de Jesus no deserto foi um atalho para o reinado”, escreve Deltan ao discorrer com ele mesmo sobre seu futuro. Uma de suas preocupações era que, ao mergulhar na vida pública sem as garantias que o cargo de procurador lhe oferecia, pudesse perder apoiadores entre religiosos.
Ele também acreditava que uma incursão apressada no processo eleitoral poderia tornar mais difícil a aprovação do projeto das “10 medidas de combate à corrupção”.
“Pessoalmente, se me candidatar, há mais ônus do que bônus (salário, tiroteio, esposa, novo filho, mudança para Brasília, custo maior de vida, risco de não ser eleito). Se me candidatar e não lutar pelas 10+, há contradição com o próprio propósito da candidatura; se me candidatar e lutar, isso incrementa risco pessoal”, escreve o precavido Deltan — os diálogos são reproduzidos nesta reportagem em sua grafia original.
Preocupação
Ainda que as aspirações políticas de Deltan estivessem em estágio embrionário em 2018, o diálogo com ele mesmo deixa dois pontos claros: ele tinha quase certeza que seria eleito e já estava preocupado com possíveis punições do Conselho Nacional do Ministério Público.
“Para aumentar a influência, precisaria muito começar uma iniciativa de grupos de ação cidadã. Dois pilares seriam: grupos de ação cidadã em igrejas e viagens. Tem um risco de CNMP, mas é pagável, cabendo fazer uma pesquisa de campanhas públicas (de órgãos) de voto consciente, para me proteger. Tem também um risco de críticas, especialmente no tocante ao envolvimento das igrejas, que precisa ser calculado e minorado na medida do possível, mas é também pagável”, escreveu.
Como se sabe, Deltan falhou ao calcular o risco de punições do CNMP. Ainda que tenha deixado o Ministério Público Federal para se candidatar a deputado federal pelo Podemos, em 2022, ele acabou tendo o mandato cassado pouco tempo depois.
O TSE entendeu que ele estava ciente de que os 15 procedimentos administrativos dos quais era alvo no CNMP poderiam se tornar processo administrativo disciplinar (PAD) e torná-lo inelegível. Ao se antecipar e pedir exoneração, ele, na perspectiva da Justiça Eleitoral, fraudou a lei.
Predestinado
Deltan também cita o advogado Joaquim Falcão, conselheiro da ONG Transparência Internacional — que atuou como braço da “lava jato”, que havia dito que, ainda que a política estivesse em seu futuro, talvez esse não fosse o melhor momento.
Nas conversas, o ex-procurador pondera se candidatar em 2022 ao Senado na vaga ocupada por Álvaro Dias (Podemos-PR). E, apesar de acreditar que seria uma disputa complicada, Deltan acredita que “se for para ser, será”. A vaga sonhada acabou ficando com seu companheiro de Operação Lava-Jato, o ex-juiz Sergio Moro.
Após o denso colóquio consigo mesmo, Deltan chega a conclusão que o ideal para aquele momento era seguir como procurador e “lutar” pela renovação política cercado de garantias. (Conjur)