A divergência aberta no julgamento da ação que pode deixar Jair Bolsonaro inelegível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abre espaços para eventuais recursos da defesa do ex-presidente ao próprio TSE e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Advogados do ex-presidente já sinalizaram que pretendem recorrer de uma eventual decisão pela inelegibilidade. Para isso, afirmaram que será preciso analisar o chamado acórdão, ou seja, os detalhes da decisão colegiada da Corte Eleitoral.
A partir desta análise, para questionar a decisão no próprio TSE terão que demonstrar, por exemplo, contradições no que foi julgado. Já no recurso ao Supremo, entre os requisitos estão a necessidade de o tema envolver questão constitucional e ainda que tenham sido discutidas previamente na Justiça Eleitoral.
Para levar o caso ao Supremo, os advogados de Bolsonaro devem questionar que houve cerceamento de defesa. Isso porque dizem que não teriam conseguido se manifestar sobre todas as provas inseridas no processo.
No acórdão vão constar as diferentes visões de ministros em relação a pontos centrais da estratégia de defesa do ex-presidente. Entre eles:
— a discussão sobre se foi regular ou não a inclusão, no processo, da chamada “minuta do golpe”;
— o debate sobre a gravidade da reunião, ou seja, se a conduta do ex-presidente teve potencial para macular o resultado do pleito;
— a discussão sobre a ocorrência de abuso de finalidade e desvio de poder no ato de Bolsonaro.
Minuta
A minuta do golpe é um documento encontrado em janeiro pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro. O material cita planos para instalar um estado de sítio no TSE, com o objetivo de reverter a derrota de Bolsonaro nas eleições, o que é inconstitucional
A possibilidade de levar em conta a chamada “minuta do golpe” para caracterizar a ação do ex-presidente divide, de um lado, os ministros Benedito Gonçalves (relator), Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares; e, de outro, o ministro Raul Araújo.
Para os três primeiros, é possível incluir o material no processo, por haver relação com a atuação de Bolsonaro na reunião e por não ser possível restringir o escopo da ação, já que ela também tem um caráter investigativo. Além disso, consideram que a medida foi regular em termos processuais.
Já para o ministro Raul Araújo, não há elementos capazes de sustentar a relação entre a reunião com embaixadores e a “minuta do golpe”. Sustentou que o documento é apócrifo e não há indícios de vinculação dele com a ação e com os investigados. E que, “num contexto de ausência de liame”, a legislação processual “rechaça” a inclusão do material na ação.
Gravidade
A legislação eleitoral demanda que, para caracterizar um ato como abuso de poder, deve ser considerada a “gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
Assim, nos votos sobre o tema na Justiça Eleitoral, os ministros precisam apontar se o caso em discussão conta com este requisito.
Para o relator Benedito Gonçalves e os ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares, a gravidade ficou caracterizada.
Para o ministro Raul Araújo, não está presente este elemento, porque o comportamento não foi suficiente para justificar a “medida extrema da inelegibilidade”.
Outra questão que dividiu as visões do ministro foi a do enquadramento da conduta de Bolsonaro como desvio de finalidade e abuso de poder.
O desvio de finalidade acontece quando um agente público usa as competências conferidas ao seu cargo para realizar ações que inicialmente parecem atender ao interesse público, mas que miram, na verdade, interesses individuais.
Já o abuso de poder ocorre quando o agente público vai além de suas competências previstas em lei e não atende às necessidades coletivas.
Para os três ministros que votam pela inelegibilidade, a conduta de Bolsonaro pode ser enquadrada nesta atuação irregular. Para Araújo, não há como qualificar a ação do ex-presidente como abusiva.
Recursos
A defesa do ex-presidente Bolsonaro já sinalizou que pretende recorrer de uma eventual decisão do tribunal.
Há duas possibilidades de recursos:
— um ao próprio TSE, chamado de embargo de declaração, no qual a defesa aponta obscuridades e contradições, na tentativa de reverter um eventual resultado pela inelegibilidade e preparar terreno para outro recurso ao Supremo Tribunal Federal.
— um ao STF, chamado de recurso extraordinário, no qual defesa precisa apontar que uma eventual decisão do TSE pela inelegibilidade feriu princípios constitucionais. O advogado Tarcísio Vieira afirmou que já vê elementos para este recurso, seguindo na linha à restrição do direito de defesa.
Os dois recursos têm prazo de três dias, mas a apresentação dos embargos vai suspender o prazo para o protocolo do recurso extraordinário.
Antes de chegar ao Supremo Tribunal Federal, o recurso é apresentado ao próprio TSE, onde caberá ao presidente Alexandre de Moraes verificar se os requisitos formais foram preenchidos.
Uma vez o caso na Suprema Corte, os ministros que atuaram no julgamento no TSE não participam do sorteio para a relatoria, mas não estão impedidos de votar no caso quando ele for a plenário.