Nesta semana, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) ajuizou ação civil pública com pedido de urgência contra o governo gaúcho e a prefeitura de Viamão para que interrompam a realocação compulsória dos moradores remanescentes do Hospital-Colônia de Itapuã. O caso remonta à política sanitária dos anos 1940, quando indivíduos com hanseníase (antigamente conhecida como lepra) eram isolados socialmente.
Também são reivindicadas outras três garantias: o retorno imediato de quem já foi transferido para outros locais, o direito de permanência do grupo na colônia até o fim da vida e a prestação dos serviços necessários para sua integral assistência e proteção (saúde, higiene, alimentação, lazer, segurança e condições de remoção imediata em caso de necessidade de atendimento médico).
A Promotoria argumenta que há uma diferença entre a situação dos pacientes psiquiátricos e a dos pacientes-moradores afetados pela política “higienista” daquela época. Enquanto ao primeiro grupo é oportunizado viver em outro ambiente, para o segundo a oportunidade de escolha é viabilizada desde a década de 1980, tendo seus integrantes optado pela permanência.
Na ação civil pública em questão, são contemplados apenas os remanescentes do isolamento compulsório no âmbito do antigo combate à hanseníase. Um dos trechos do documento ressalta:
“É direito dessas pessoas a conservação da possibilidade de sua permanência no local que escolheram como lar e onde desenvolveram laços indissolúveis de amor e escolheram permanecer após a abolição das internações compulsórias”.
Reparação histórica
O Hospital Colônia de Itapuã foi inaugurado em 1941 com a proposta de atendimento integral a pessoas diagnosticadas com hanseníase em todo o Rio Grande do Sul. A instituição foi concebida como uma espécie de minicidade autossuficiente e que dispunha até mesmo de “moeda” própria.
Desde seus primórdios, foi apresentado como um serviço público de moradia e assistência em saúde e recebeu um total de 1.454 pessoas oriundas de diferentes cidades gaúchas. A fragilização de vínculos e o longo afastamento da sociedade acabaram reforçando entre elas a ideia de pertencimento.
As autoridades sanitárias brasileiras só aboliram definitivamente em 1986 a prática do isolamento compulsório. Mas o preconceito, os longos anos de segregação e fatores como a idade avançada fizeram com que muitos deles escolhessem permanecer nos estabelecimentos, já com sob um conceito de lar com ligações afetivas indissolúveis.
Restam hoje nove moradores remanescentes na área, com 1.251 hectares e localizada na região central de Viamão, próximo à rodovia estadual ERS-118. Na avaliação do Ministério Público, eles vinham sendo estimulados a deixar o local com base em uma interpretação forçada da Lei da Reforma Psiquiátrica:
“Considerando-se a dívida histórica decorrente do sofrimento, humilhação e restrição de direitos causados a quem foi afastado compulsoriamente de suas famílias e da sociedade como um todo, muitos ainda na juventude, a sujeição dos últimos moradores do Hospital-Colônia de Itapuã à realocação compulsória representa nova e inadmissível agressão à dignidade de pessoas hipervulneráveis”.
(Marcello Campos)
Créditos do texto/imagem: Jornal O Sul