No âmbito de uma ação civil movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra o governo do Estado e prefeitura de Viamão, a Justiça gaúcha determinou que seja suspenso o processo de realocação compulsória dos moradores remanescentes do Hospital-Colônia de Itapuã. A decisão inclui a viabilização do retorno de quem já foi retirado da comunidade.
Outra garantia obtida por meio do processo prevê a oferta de serviços necessários para integral assistência e proteção do grupo – cuidados de saúde, higiene, alimentação, segurança, lazer e condições de remoção imediata em caso de necessidade de atendimento médico, dentre outros.
“Vários têm mais de 70 anos e, após a abolição do isolamento social de pacientes de hanseníase [antigamente conhecida como lepra], escolheram permanecer no estabelecimento, por considerá-lo um lar onde mantêm vínculos afetivos”, ressalta a promotora Gisele Moretto, responsável por ajuizar a ação. “A realocação é uma afronta à dignidade humana.”
Conforme o MP-RS, há uma diferença entre a situação dos pacientes psiquiátricos e a dos pacientes-moradores afetados pela política “higienista” daquela época. Enquanto ao primeiro grupo é oportunizado viver em outro ambiente, para o segundo essa escolha é viabilizada desde a década de 1980 – a maioria optou pela permanência.
Na ação civil pública foram contemplados apenas os remanescentes do isolamento compulsório no âmbito do antigo combate à hanseníase. Um dos trechos do documento ressalta: “É direito dessas pessoas a conservação da possibilidade de sua permanência no local que escolheram como lar e onde desenvolveram laços indissolúveis de amor e escolheram permanecer após a abolição das internações compulsórias”.
Entenda
O caso remonta à política sanitária dos anos 1940, quando indivíduos com a doença eram retirados do convívio social. O Hospital-Colônia de Itapuã foi inaugurado em 1941 com a proposta de atendimento integral a pessoas diagnosticadas com hanseníase em todo o Rio Grande do Sul. A instituição foi concebida como uma espécie de mini-cidade autossuficiente e que dispunha até mesmo de “moeda” própria.
Desde seus primórdios, foi apresentado como um serviço público de moradia e assistência em saúde e recebeu um total de 1.454 pessoas oriundas de diferentes cidades gaúchas. A fragilização de vínculos e o longo afastamento da sociedade acabaram reforçando entre elas a ideia de pertencimento.
As autoridades sanitárias brasileiras só aboliram definitivamente em 1986 a prática do isolamento compulsório. Mas o preconceito, os longos anos de segregação e fatores como a idade avançada fizeram com que muitos deles escolhessem permanecer nos estabelecimentos, já com sob um conceito de lar com ligações afetivas indissolúveis.
Restam hoje menos de dez moradores remanescentes na área, com 1.251 hectares e localizada na região central de Viamão, próximo à rodovia estadual ERS-118. Na avaliação do Ministério Público, eles vinham sendo estimulados a deixar o local com base em uma interpretação forçada da Lei da Reforma Psiquiátrica:
“Considerando-se a dívida histórica decorrente do sofrimento, humilhação e restrição de direitos causados a quem foi afastado compulsoriamente de suas famílias e da sociedade como um todo, muitos ainda na juventude, a sujeição dos últimos moradores do Hospital-Colônia de Itapuã à realocação compulsória representa nova e inadmissível agressão à dignidade de pessoas hipervulneráveis”.
(Marcello Campos)
Créditos do texto/imagem: Jornal O Sul