Uma pesquisa realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) revelou que o uso do canabidiol – substância derivada da Cannabis sativa (a mesma planta da maconha) – pode contribuir para a reversão da perda de memória nas mulheres que entram na menopausa, fase iniciada quando os ovários deixam de produzir hormônios.
O estudo é coordenado pela professora Nadja Schröder, do Departamento de Fisiologia. Em experimentos anteriores, ela já havia utilizado um modelo experimental de disfunção cognitiva associado ao acúmulo de ferro, sintoma característico de doenças neurodegenerativas. Já no novo trabalho, foram utilizadas fêmeas de rato com ovários retirados.
A professora detalha uma das linhas de raciocínio que embasaram a pesquisa: de modo geral, o Alzheimer (doença degenerativa que se caracteriza perda da memória, dentre outros problemas) é mais comum no sexo feminino. Mas nas faixas etárias anteriores à menopausa, as chances de desenvolvimento da doença não têm diferença em relação aos homens.
“Existem evidências de que os hormônios ovarianos, principalmente os estrogênios, seriam neuroprotetores”, prossegue. “Quando a mulher entra na menopausa, perde essa modulação neuroprotetora e fica mais suscetível ao Alzheimer.”
Além disso, já se sabia que, em modelos experimentais, as cobaias submetidas à retirada dos ovários começavam a desenvolver déficit de memória. “Assim o estudo focou em verificar se o canabidiol iria agir como neuroprotetor depois que o organismo das fêmeas parasse de produzir estrogênio”, complementa.
O que é feito atualmente para melhorar os efeitos da menopausa é a reposição hormonal, método controverso porque há evidências de que ele pode aumentar o risco de câncer de mama ou câncer ginecológico. A pesquisa, então, partiu do pressuposto que o canabidiol poderia ser uma alternativa para o uso da reposição hormonal.
Nos testes, os pesquisadores fizeram a cirurgia de ovariectomia (retirada de ovários) nas ratas, aguardaram um período para ter certeza que o nível de estrogênio diminuiu e que os animais iriam realmente entrar em menopausa cirúrgica, para então iniciar o tratamento com a substância derivada da cannabis.
Ainda segundo Nadja, os resultados foram positivos: o canabidiol recuperou a memória dos animais. “A memória dessas ratas tratadas com canabidiol é muito melhor que a memória das que passaram pela ovariectomia mas sem receber a substância”, compara a professora, que nos últimos anos tem estudado o uso farmacêutico do canabidiol.”
Próximos passos
O canabidiol geralmente é utilizado no Brasil para tratar formas graves de epilepsia em crianças, por exemplo, mas o mesmo não acontece em relação a doenças neurodegenerativas. Para Nadja, o avanço de estudos com tal finalidade depende de testes em humanos.
“Com mais pesquisas sobre o tema, seria possível revelar se a substância pode proporcionar uma alternativa de neuroprotetor”, ressalta. “Se o canabidiol realmente possui atividade neuroprotetora, poderá ajudar na prevenção da doença degenerativa ou, pelo menos, servir como tratamento precoce para impedir estágios avançados.”
O estudo da UFRGS contou com o engajamento de diversos bolsistas de pós-graduação, que enfrentaram desafios como a baixa remuneração e o pequeno número de vagas. Em breve, o grupo começará um novo estudo para avaliar melhor as interações entre o sistema onde estão os canabinoides produzidos pelo cérebro e onde o canabidiol age.
(Marcello Campos)